domingo, 15 de junho de 2008

Lápide 013 - Sydney Pollack (1934-2008)


Nascido de Indiana, em 1934, o cineasta (e também produtor e ator) Sydney Pollack faleceu na Califórnia, cercado de parentes e amigos, em decorrência de um câncer, a 26 de maio de 2008, aos 73 anos. Assim como Robert Altman, Pollack começou sua carreira de diretor na televisão, dirigindo, nos anos de 1960, dezenas de episódios para séries como Ben Casey, The Fugitive e The Alfred Hitchcock Hour, além de telefilmes para o Kraft Suspense Theatre e o Bob Hope Presents the Chrysler Theatre. Em 1961, Pollack conheceu o jovem ator Robert Redford durante as filmagens de Obsessão de matar (War Hunt, 1962), de Denis Dunders, filme no qual atuavam juntos: além de amigo pessoal, Redford se tornará o ator-fetiche do cineasta.

Depois de realizar um primeiro longa-metragem em 1965, Pollack se destacou com Essa mulher é minha (This Property Is Condemned, 1966), drama existencial baseado numa peça de um ato de Tennessee Williams, roteirizada por Francis Ford Coppola, Fred Coe [que dirigiu apenas dois filmes, ambos notáveis: Mil palhaços (A Thousand Clowns, 1965) e Uma garota avançada (Me, Natalie, 1969)], Edith Sommer e David Rayfiel. O filme descreve a vida num bordel de ferroviários, numa cidadezinha próxima a New Orleans, e onde a inescrupulosa senhora Hazel Starr (Kate Reid, em atuação brilhante), explora a própria filha, Alva (Nathalie Wood, em seu melhor papel), “a atração principal do local”, segundo a irmã mais nova, Willie (Mary Badham), que desenrola a trama num longo flash-back. O forasteiro Owen Legate (Robert Redford), que percorre cidadezinhas para demitir empregados da ferrovia, em recesso com a crise que abala a economia nos anos de 1930, hospeda-se no bordel; e desperta a paixão de Alva, mas a mãe devassa, cínica, materialista, tem outros planos para a jovem, destruindo todas suas possibilidades de felicidade. O universo malsão de Tennessee Williams é suavizado pela visão politizada de Pollack; mas o melhor do filme deve-se ao conflito típico criado por aquele dramaturgo em suas obras, entre o princípio de prazer, representando por uma personagem decadente e idealista, que sonha os mais lindos sonhos, enterrada na lama, e o princípio de realidade, encarnado num macho belo e frio, sexualmente prático, indiferente aos finos bordados da alma humana. Do ponto de vista cinematográfico, dois planos merecem destaque: quando a imagem se desprende, durante a fuga de Alva, da janela do trem, até abarcar toda a planície que ele percorre e, no final, quando a câmara se afasta de Willie e sobrevoa os trilhos, a longa distância. Estes extraordinários travellings panorâmicos aéreos foram uma proeza técnica do fotógrafo James Wong Howe, quando não havia computadores para criar tais efeitos. Destaque ainda para a bela canção Wish Me a Rainbow, de Jay Livingston e Ray Evans, que abre e fecha o filme:

Wish me a rainbow and wish me the stars
All this you can give me wherever you are
And dreams for my pillow and stars for my eyes
And the masquerade ball where our love wins first prize
Wish me red roses and yellow baloon and caress us whirling to gay dancing tunes
I want all these treasures the most you can give
So wish me rainbow as long as I live
All my tomorrows depend on your love

So wish me a rainbow above.


O filme seguinte de Pollack, Revanche selvagem (The Scalphunters, 1968), é um faroeste satírico, politizado e anti-racista. Não resistimos a transcrever sua sinopse tal como foi divulgada em seu DVD brasileiro, verdadeira pérola do WorldLingo:

"Se pode ser dito que um western tem alguma coisa para todo mundo, com certeza é Revanche Selvagem, diz o Motion Picture Herald sobre esta bufante e apimentada aventura cheia de humor e comentários satíricos sobre as relações entre as raças. Em uma performance verdadeiramente em polvorosa, Burt Lancaster interpreta Joe Bass, um peleiro de fronteira casca-grossa. A carga de peles conquistada com muito trabalho duro por Joe é capturada por um bando de Kiowas não muito amigáveis, que a querem trocar por um escravo fugido que capturaram. Como o educado e criado na cidade Joseph, Ossie Davis está tão determinado a conseguir sua liberdade quanto Lancaster a conseguir as suas peles de volta. Junte tudo isso com um bando de predadores escalpeladores liderados por Telly Savalas junto a uma Shlley Winters mascadora de fumo e o inferno está liberado! Misturando fortes elementos de ação com uma comédia de farsa sem tamanho, o roteirista William Norton e o diretor Sidney Pollack [...] foram vitoriosos em produzir um entretenimento para todos os gostos."

Logo ocorreu o maior momento de cinema de Pollack: A noite dos desesperados (They Shoot Horses, Don’t They?, 1969), um magistral filme político, baseado na novela de Horace McCoy sobre a crise americana da Grande Depressão iniciada com o Crack da Bolsa de Nova York em 1929, drama revivido para evocar a nova crise americana aberta com a Guerra do Vietnã. Num dos maiores desempenhos de sua carreira como a impetuosa Gloria Beatty, Jane Fonda criou uma personagem inesquecível com sua determinação de vencer uma maratona de danças por volta de 1932, arrastando o desanimado parceiro Robert Syverton (Michael Sarrazin) até a vitória. Mas é uma vitória de Pirro, pois toda a determinação dos concorrentes é previamente quebrada por um sistema perverso, viciado, que Gig Young, como Rocky, o condutor sem ética do certame, encarna à perfeição. Um sistema que chega às raias da loucura ao obrigar os vencedores a pagar todas as despesas do concurso, nada sobrando para eles mesmos. Com este filme violento, histérico, um dos melhores manifestos cinematográficos antiamericanos da esquerda americana, Pollack entrou para a História do Cinema. Já seus filmes seguintes não tiveram a mesma força nem o mesmo impacto, ainda que tenham conquistado a crítica e o público.

Em Mais forte que a vingança (Jeremiah Johnson, 1972), Robert Redford encarna o personagem real de Jeremiah Johnson, soldado do exército americano que escapa da guerra mexicana no final do século XIX para viver como eremita nas montanhas, entrando em conflito com os nativos ao violar um santuário. A deserção do Exército estava na ordem do dia nas fileiras pacifistas americanas que marchavam em Washington e o filme pretendia assim, alusivamente, revelar uma dimensão política militante sob a aparente “alienação” de seu personagem de pioneiro desbravador em belíssimas paisagens naturais.

Nosso de amor de ontem (The Way We Were, 1973) tem o inconveniente de Barbra Streisand a desempenhar seu eterno papel de moça feia que conquista os homens mais lindos por força de um suposto “charme”. Ela aqui é Katie Morosky, uma judia comunista empedernida que vive uma relação conflituosa com Hubbell Gardiner (Robert Redford), o all american guy de cabelos dourados e sorriso perfeito, que esconde um talento superficial de escritor sob seu tipo esportivo e que, após servir na Marinha durante a Segunda Guerra, faz sucesso como roteirista de Hollywood em pleno macartismo. Quando Katie, grávida, é denunciada como comunista justo quando Hubbell se prepara para assinar novo e rendoso contrato, o casal separa-se definitivamente. Esta cena foi cortada por Pollack, também produtor do filme, após o fracasso de uma primeira exibição-teste, para o desgosto de Streisand e do roteirista Arthur Laurents [de Festim diabólico (Rope, 1948), de Alfred Hitchcock; Na cova das serpentes (The Snake Pit, 1948), de Anatole Litvak; e Quando o coração floresce (Summertime, 1955), de David Lean]: no filme lançado, a separação parece dar-se por causa de um romance extraconjugal. Apesar dessa concessão ao grande público, o filme assume o ponto de vista de Katie, cujo apartamento está recoberto de retratos de Lênin e de Stalin. Mas é a inverossímil história de amor entre os dois personagens ideologicamente opostos, condensada na famosa canção-tema de Marvin Hamlisch, gravada pela atriz cantora, que fez o sucesso deste filme água-com-açúcar teimosamente esquerdista.

Os filmes seguintes de Pollack – Três dias do Condor (Three Days of the Condor, 1975), suspense político com Redford e Faye Dunaway; Cavaleiro elétrico (The Electric Horseman, 1979), comédia romântica com Redford e Jane Fonda no mundo dos rodeios; Tootsie (Tootsie, 1982), comédia de costumes com Dustin Hoffman e Jessica Lange atualizando o tema de Viktor und Viktoria (Alemanha, 1933), de Reinhold Schünzel, refilmado por Blake Edwards em Vitor ou Vitória (Victor Victoria, 1982), sobre desempregado que se traveste para conseguir emprego; Entre dois amores (Out of África, 1985), com Redford e Maryl Streep em drama romântico histórico que consagrou Pollack com o Oscar de Melhor Diretor; Havana (Havana, 1990), com Redford e Lenna Olin em suspense romântico ambientado nos cassinos cubanos de antes da revolução; A firma (The Firm, 1993), suspense político com Tom Cruise e Jeanne Tripplehorn; Sabrina (Sabrina, 1995), desnecessária refilmagem, com Harrison Ford e Julia Ormond, da clássica Sabrina (Sabrina, 1954), de Billy Wilder – consolidaram Pollack como diretor de prestígio em Hollywood, com suas arestas esquerdistas sempre bem aparadas. Seu penúltimo filme, A intérprete (The Interpreter, 2005), com Nicole Kidman e Sean Penn, é um thriller político acima da média; e o último, Esboços de Frank Gehry (Sketches of Frank Gehry, 2005), um fascinante documentário sobre o famoso arquiteto. Mas se a carreira de Pollack começou com a mesma contagiante energia das suas personagens enragées Alva Starr, Gloria Beatty e Katie Morosky, ela acabou assumindo uma falsa neutralidade a Owen Legate, uma dignidade sóbria a Robert Syverton e um brilho superficial a Hubbell Gardiner.

Filmografia

1965: Uma vida em suspense (The Slender Thread).
1966: Esta mulher é proibida (This Property Is Condemned).
1968: Revanche selvagem (The Scalphunters).
1969: A defesa do castelo (Castle Keep).
A noite dos desesperados (They Shoot Horses, Don't They?).
1972: Mais forte que a vingança (Jeremiah Johnson).
1973: Nosso amor de ontem (The Way We Were).
1974: Operação Yazuka (The Yakuza).
1975: Três dias do Condor (Three Days of the Condor).
1977: Um momento, uma vida (Bobby Deerfield).
1979: O cavaleiro elétrico (The Electric Horseman).
1981: Ausência de malícia (Absence of Malice).
1982: Tootsie (Tootsie).
1985: Entre dois amores (Out of Africa).
1990: Havana (Havana). DVD nacional fora de catálogo.
1993: A firma (The Firm, 1993).
1995: Sabrina (Sabrina). DVD nacional fora de catálogo.
1999: Destinos cruzados (Random Hearts).
2005: A intérprete (The Interpreter).
Esboços de Frank Gehry (Sketches of Frank Gehry).

Nota
: Não disponível no Brasil, o melhor filme de Pollack, A noite dos desesperados, pode ser adquirido em DVD no site da Amazon.

Luiz Nazario