domingo, 24 de fevereiro de 2008

Lápide 011 - Alain Robbe-Grillet (1922-2008)


O escritor e cineasta Alain Robbe-Grillet morreu no dia 18 de fevereiro, aos 85 anos, no hospital na cidade de Caen, na Normandia, de causa não revelada. Na França dos anos de 1950, juntamente com Marguerite Duras, Nathalie Sarraute e Michel Butor, Robbe-Grillet foi um dos criadores do chamado nouveau romance (“novo romance”), que ameaçava a literatura engajada dissolvendo a estrutura do romance clássico em romances sem enredo, feitos somente de descrições de objetos e situações fragmentadas. Era o correlato literário do estruturalismo - antropológico (Claude Lévy-Strauss), filosófico (Louis Althusser, Michel Foucault, Jacques Derrida), crítico (Roland Barthes, Julia Kristeva) e psicanalítico (Jacques Lacan) - que ameaçava o marxismo, a psicanálise e o existencialismo ao dissolver a luta de classes, o ego e a liberdade na malha dos discursos.

O estruturalismo preocupava-se mais com a linguagem, os signos, os discursos que com a realidade concreta dos projetos individuais, das revoluções sociais, das “grandes causas” políticas, seus autores mais engajados preferindo aliar-se aos movimentos minoritários, atacando “micropoderes”, incitando “microrevoluções”. Em As palavras e as coisas (1966), Foucault sugeria que cada época era regida por um determinado discurso, do qual não se podia escapar, sendo o nosso tempo aquele que decretava o fim do humanismo.

O novo romance refletiu o fim do humanismo ao rejeitar a trama narrativa, a psicologia dos personagens, as emoções humanas. Seus autores colocavam-nos diante de um mundo sem calor, sem vida, sem sentido, num emaranhado de palavras mais próximo de um jogo que de uma representação da vida, evoluindo em longas e minuciosas descrições de objetos. Nos romances de Robbe-Grille, como Les Gommes (1953), Le Voyeur (1955), La Jalousie (1957), La maison de rendez-vous (1965), Project pour une révolution à New York (1981), Djinn (1981), Le miroir qui revient (1985) ou Les Derniers jours de Corinth (1994), praticamente nada acontece, as ações são congeladas em gestos e o mundo é apenas observado em suas formas inanimadas.

Se na literatura a narrativa impessoal, inumana, do nouveau roman não produziu nenhuma obra-prima, no cinema ela produziu pelo menos um clássico do cinema moderno: O ano passado em Marienbad (L’année dernière à Marienbad, 1961), de Alain Resnais, com base no roteiro escrito por Alain Robbe-Grillet. No filme, três personagens sem nome interagem de forma repetitiva e onírica num antigo e suntuoso hotel na cidade tcheca de Marienbad: entre longos corredores, delicadas colunatas, fontes curativas e labirínticos jardins, um homem (Giorgio Albertazzi) tenta convencer uma mulher (Delphine Seyrig) casada com um marido ciumento (Sacha Pitoeff), a fugir com ele para longe, reatando o interrompido romance das férias anteriores; porém, ela não se lembra de ter tido realmente um caso com aquele suposto amante no “ano passado em Marienbad”...

O sucesso do filme, que conquistou o Leão de Ouro em Veneza e lançou a moda do jogo de palitos com que os personagens passam o tempo no sombrio hotel barroco – parece ter provado que o “novo romance” servia mais à forma cinematográfica que à forma literária (o cinéma-stylo, conceitualizado por Alexandre Astruc seria, então, o precursor do nouveau romance no cinema). Percebendo o fenômeno, Robbe-Grillet lançou-se à direção, realizando diversos filme que tinham, paradoxalmente, mais qualidades literárias que cinematográficas: L’immortelle (1963), Trans-Europe-Express (1966), L’ homme qui ment (1968), L’Eden et après (1970), N. a pris les dés... (1971), Glissements progressifs du plaisir (1974), Le Jeu avec le feu (1975), La Belle captive (1983), Un bruit qui rend fou (1995) e Gradiva (2006).

Mas se Alain Robbe-Grillet – curiosamente formado em matemática e agronomia, donde talvez o formalismo cientificista de seu imaginário – não foi um diretor de cinema vocacionado como um Alain Resnais, seus filmes não estavam desprovidos de humor e imagens surrealistas, que podem ser constatadas também no filme extraordinário que ele escreveu para o animador belga Raoul Servais, Taxandria (1996), que combina animação com ação ao vivo.

Robbe-Grillet lecionou em Nova York e St. Louis por muitos anos, até 1990, ganhando certa notoriedade nos EUA. Em 2004, foi eleito para a Academia Francesa, mas ao recusar comprar o traje cerimonial e prestar homenagem a seu predecessor, o historiador de arte Maurice Rheims (1910-2003), não pode ser formalmente aceito na instituição. Em 2007, o escritor chocou seus leitores com cruas descrições de incesto e pedofilia em seu último livro, Un roman sentimental, um conto de fadas para adultos”. O autor defendeu-se das críticas dizendo que o livro não fazia parte de suas obras sérias. Contudo, qual de suas obras poderia ser definida como “séria”?

Nota

A
edição norte-americana lançada pela Fox Larber de O ano passado em Marienbad encontra-se há muito esgotada, alcançando preços astronômicos na seção de usados da Amazon. No Brasil, o filme chegou a sair em DVD pela Continental, em edição também já esgotada. Apenas a edição inglesa da StudioCanal está disponível, apresentando uma cópia com excelente qualidade de imagem e som, e oferecendo extras preciosos como o curta Toute La Mémoire du Monde (1956) de Alain Resnais. Poucos filmes dirigidos por Robbe-Grillet (como La Belle Captive e Le Jeu avec le feu) podem ser encontrados em DVD na Amazon. A coletânea de Raoul Servais que inclui o longa-metragem Taxandria está praticamente esgotada, restando algumas poucas cópias na seção de usados da Amazon France.

Luiz Nazario