quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Lápide 008 - Michelangelo Antonioni (1912-2007)


Logo após o anúncio da morte de Ingmar Bergman foi noticiada a do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, falecido no mesmo dia 30 de julho de 2007, apenas algumas horas mais tarde, aos 94 anos de idade. “Com Antonioni desaparece não só um dos nossos maiores diretores, mas também um mestre do cinema moderno. Graças a ele chegaram à grande tela as problemáticas mais duras do mundo contemporâneo, como a falta de comunicação e a angústia”, declarou Walter Veltroni, prefeito de Roma, no calor da emoção, sem levar em conta os filmes de um Dreyer, um Bresson, um Bergman. Antonioni era considerado um cineasta intelectual: além dos trinta filmes produzidos, entre longas e curtas-metragens, dedicou-se à pintura e publicou um livro de idéias de filmes não realizados, That Bowling Alley on the Tiber. Um dos projetos do livro serviu de inspiração para o filme Além das Nuvens, dirigido em parceria com o cineasta alemão Wim Wenders, em 1995.

Filho de uma família da classe média italiana, Antonioni nasceu em Ferrara a 29 de setembro de 1912. Quando jovem, graduou-se em economia pela Universidade de Bolonha, ao mesmo tempo em que o fascínio pelo cinema o desviava das preocupações econômicas mundiais, levando-o ao trabalho de crítico num jornal local. Aos 28 anos, mudou-se para Roma, passando a dedicar-se inteiramente à arte cinematográfica. De crítico de cinema passou a estudante de direção no Centro Sperimentale di Cinematografia na Cinecittà, onde conheceu cineastas influentes como Roberto Rossellini. O encontro com o diretor de Roma, Cidade Aberta (Roma città aperta, 1945) foi decisivo: aos trinta anos, colaborou no roteiro de Un Pilota Ritorna, de Rossellini. Mais tarde empenhou-se no roteiro de I Due Foscari, de Enrico Fulchignoni, e estreou na direção com o curta-metragem documental Gente del Pó (1943), um dos filmes precursores do neo-realismo.

Antes de destacar-se com seu primeiro longa-metragem, Crimes da Alma (1950), Antonioni produziu mais oito curtas que seguiam os preceitos neo-realistas. Em 1952 foi co-roteirista do primeiro filme de Federico Fellini, Abismo de um Sonho. Cesare Zavattini, o mentor do neo-realismo, em 1953 convidou-o, junto a outros cineastas do movimento (Dino Risi, Carlo Lizzani, Fellini, Francesco Maselli, Cesare Zavattini, Alberto Lattuada) para o filme em episódios O Amor na Cidade (Amore in Città), com histórias de amor passadas em Roma. Antonioni fez “Tentativa de Suicídio”, sobre mulheres apaixonadas suicidas.

Em 1956, começa seu distanciamento da estética neo-realista; ele parte para um cinema intimista, de fundo existencialista. No mesmo ano realizou As Amigas e, em 1957, O Grito (Il Grido): tratado emotivo sobre o operário Aldo que, após sofrer uma desilusão amorosa, parte pelas estradas da Itália em busca de entendimento. Este filme rompe definitivamente com a estética neo-realista ao abordar em chave sartriana a solidão do homem contemporâneo. Em 1960, produz a “Trilogia da incomunicabilidade” composta por A aventura (L’Avventura, 1960), A noite (La Notte, 1961) e O eclipse (L’Eclisse, 1962). Como o título da trilogia sugere, estes filmes abordam o isolamento humano em situações de angústia e desencontro amoroso. Em 1964, roda Deserto vermelho (Il deserto rosso), seu primeiro filme colorido (com fotografia magnífica de Carlo Di Palma), que explorou os temas da alienação e da solidão, conquistando o Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza. Sua atriz-fetiche, Monica Vitti, apareceu nos quatro filmes citados, encarnando mulheres perturbadas em descompasso com a modernidade.

Dois anos depois, Antonioni foi filmar na Inglaterra o “cult” Blow up: Depois daquele Beijo, sucesso de crítica (premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes) e de público (talvez pelo erotismo estilizado associado às imagens da contracultura e do culto ao corpo). Na tão esperada cena final com mímicos simulando um jogo, Antonioni brinca com o estatuto da imagem que se imagina e daquela que se capta pela lente mecânica. Contudo, melhor filme é Zabriskie Point (1970), obra subversiva, rodada nos Estados Unidos, em parte no deserto da Califórnia, com trilha de Pink Floyd e Rolling Stones, sobre a eclosão do movimento estudantil. Duas seqüências são memoráveis: a orgia no deserto e a explosão da geladeira em câmara lenta, como um símbolo da sociedade consumista e da revolução. O filme foi um fracasso de bilheteria, ao contrário de Passageiro – Profissão Repórter (The Passenger, 1975), que projetou um Jack Nicholson em crise de identidade num mundo pouco acolhedor; o filme vale pela extremamente bem elaborada seqüência final.

No início dos anos de 1980, Antonioni realizou os medíocres Identificação de uma Mulher (Identificazione di una Donna, 1982) e O Mistério de Oberwald (Il Mistero di Oberwald, 1981). Em 1983, o cineasta sofreu um derrame cerebral que lhe deixou seqüelas graves na fala e na locomoção. Inativo durante mais de uma década, só em 1995 ele retornou com Além das Nuvens (Al di là Delle Nuvole), co-dirigido por Wim Wenders. Em 2004, participou do filme coletivo Eros, formado por episódios de três cineastas de nacionalidades diferentes (Wong Kar-wai, Steven Soderbergh e Antonioni) sobre histórias de amor e erotismo. O curta de Antonioni, Il Filo Pericoloso Delle Cose, foi filmado na Toscana e abordou um casal de meia-idade em crise de relacionamento. Infelizmente, apenas na ocasião da morte é que muitas distribuidoras e editoras resolvem lançar material inédito.

FILMOGRAFIA / TÍTULOS EM DVD (VERSÁTIL HOME VIDEO)

2004: Eros (Eros)

2004: Lo sguardo di Michelangelo (curta-metragem)

2001: Il filo pericoloso delle cose

1995: Além das nuvens (Al di là delle nuvole)

1993: Noto, Mandorli, Vulcano, Stromboli, Carnevale

1989: 12 registri per 12 città

1989: Kumbha Mela

1982: Identificação de uma Mulher (Identificazione di una donna)

1981: O Mistério de Oberwald (Il mistero di Oberwald)

1975: Passageiro - Profissão: repórter (Professione: reporter)

1972: China (Chung Kuo - Cina)

1970: Zabriskie Point (Zabriskie Point)

1966: Blow-up - Depois daquele beijo (Blow-up)

1965: As três faces de uma mulher (I tre volti)

1964: O Deserto Vermelho (Il deserto rosso)

1962: O eclipse (L’eclisse)

1961: A Noite (La notte)

1960: A aventura (L’avventura)

1957: O grito (Il grido)

1955: As amigas (Le amiche)

1953: Amores na cidade (L’amore in città)

1953: Os Vencidos (I vinti)

1953: A Dama sem Camélias (La signora senza camelie)

1950: La funivia del faloria

1950: La villa dei mostri

1950: Crimes d’alma (Cronaca di un amore)

1949: L’amorosa menzogna

1949: Bomarzo

1949: Regazze in bianco

1949: Sette canne, un vestito

1949: Superstizione

1948: Nettezza urbana

1948: Oltre l’oblio

1948: Roma-Montevideo

1943: Gente del Pó

José Rodrigo Gerace