segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Lápide 012 - Curtis Harrington (1926-2007)


A 6 de maio de 2007 morreu, aos 80 anos, em decorrência de complicações de um derrame, o até hoje ainda mal apreciado e quase ignorado cineasta norte-americano Curtis Harrington, especialista em filmes de suspense e terror independentes e que, apesar de seus baixos orçamentos, eram finamente estilizados em seu sinistro paródico, banhados numa irresistível atmosfera camp. Harrington fez seu primeiro filme em 8 mm, aos 14 anos, na UCLA. Nos anos de 1940-1950, trabalhou com Maya Deren. E realizou seus próprios curtas-metragens de vanguarda, entre os quais Fragment of Seeking (1946), onde “um homem procura encontrar a si mesmo explorando sua sexualidade”. Colaborou ainda com Kenneth Anger em Puce Moment (1949, fotografia) e Inauguration of the Pleasure Dome (1954, ator).

A partir de 1957 foi assistente de produção de diversos filmes de baixo orçamento e, em 1961, estreou como diretor, com o horror bizarro e surreal de A noite do terror (Night Tide, 1961), com Dennis Hopper. Depois de usar cenas do filme soviético Planeta das tempestades (Planeta Bur, 1962), de Pavel Klushantsev, em seu Planeta pré-histórico (Voyage to the Prehistoric Planet, 1965), com Basil Rathbone no papel do Professor Hartman, que organiza em 2020 uma expedição a Vênus, Harrington realizou Planeta sangrento (Queen of Blood, 1966), com o mesmo Rathbone vivendo Dr. Farraday, que traz de Marte um alien vampiro. Alguns perceberam no filme um plot precursor de Alien, o oitavo passageiro (Alien, 1979).

Logo Harrignton revelou todo seu talento no tétrico e teatral thriller de suspense O terceiro tiro (Games, 1967), com Simone Signoret, James Caan e Katharine Ross, onde ressoam ecos de As diabólicas (Les Diaboliques, 1955), de Henri Georges-Clouzot. Harrington entrava na melhor fase de sua carreira, que prosseguiu com outros thrillers de horror psicológico, subgênero que Alfred Hitchcock colocara na moda com o sucesso de Psicose (Psycho, 1960), e que Robert Aldrich enriqueceu com o acréscimo de divas decadentes em O que aconteceu a Baby Jane (What Ever Happened to Baby Jane?, 1962), com Bette Davis e Joan Crawford, e Com a maldade na alma (Hush... Hush, Sweet Charlotte, 1964), com Bette Davis e Olívia de Havilland. Logo surgiriam outros inquietantes exemplares, como A dama enjaulada (Lady in a Cage, 1964), de Walter Grauman, com Olívia de Havilland; e Fanatismo macabro (Fanatic, 1965), de Silvio Narizzano, com roteiro de Richard Matheson, onde Tallulah Bankhead, na pele da fanática Mrs. Trefoile, prende e tortura a namorada do filho.

Seguindo o filão, e aperfeiçoando-o com sua sensibilidade estética afetada, Harrington criou os extraordinários Grand Guignols de Quem espancou tia Roo? (Whoever Slew Auntie Roo?, 1971), com Shelley Winters no papel de uma demente reinventando perversamente o conto de fadas “Joãozinho e Maria”; Obsessão sinistra (What's the Matter With Helen?, 1971), com Shelley Winters e Debbie Reynolds como duas irmãs criminosas que se disfarçam de professoras de sapateado, uma tentando fazer carreira no cinema, outra chafurdando na culpa graças às pregações da evangelizadora irmã Alma (Agnes Moorehead); The Killing Kind (1973) sobre um jovem sexualmente reprimido, condenado por estupro, que retorna ao lar para ser atormentado pela mãe terrível e dominadora (Ann Sothern); e Ruby, a amante diabólica (Ruby, 1977), sobre uma mãe perturbada vivida por Piper Laurie, cuja filha, jovem muda e rejeitada, tenta saber como seu pai foi assassinado...

Como Robert Altman, Harrington trabalhou muito para a TV, em produções alimentares, como nos diversos episódios das séries The Legend of Jesse James (“The Lonely Place”, “A Burying for Rosey”, 1966); Baretta (“Set Up City”, 1975; “Murder for Me”, 1976); Mulher Maravilha (Wonder Woman, 1976); Logan’s Run (“Stargate”, 1977); Tales of the Unexpected (“A Hand for Sonny Blue”, 1977); Angel in a Box (“Angel on My Mind”, 1978); Sword of Justice (“The Destructors”, 1978); Vega$ (1978); As panteras (Charlie’s Angels, 1978-1979); Dinastia (Dynasty, 1981), Darkroom (“A Quiet Funeral”, 1981); Hotel (1983); The Colbys (1985); e Além da Imaginação (The Twilight Zone - “Voices in the Earth”, 1987).

Mas mesmo nas produções de TV Harrington sempre deixou sua marca forte, ainda hoje subestimada pelos críticos. Procurando valorizar a decadência de grandes atores, num estilo camp de encenar contos de fada de horror com personagens dementes, inverossímeis, verdadeiros freaks afetados, ele assinou telefilmes acima da média, como Pesadelo trágico (How Awful About Allan, 1970), com Anthony Perkins e Julie Harris; O amuleto egípcio (The Cat Creature, 1973), com roteiro de Robert Bloch; Abelhas assassinas (The Killer Bees, 1974), com Gloria Swanson; Os mortos não morrem (The Dead Don’t Die, 1975), com George Hamilton e Ray Milland; e Cão do diabo (Devil Dog: The Hound of Hell, 1978), com Richard Crenna e Yvette Mimieux.

A partir dos anos de 1980, a carreira de Curtis Harrington entrou em declínio; ele conseguiu realizar apenas um filme de apelo erótico, Mata Hari (1985), com a eterna “Emanuelle” Sylvia Kristel, que teve cenas cortadas em sua versão em DVD. Seu último filme foi um curta-metragem, Usher (2002, 40’), inspirado no conto “A queda da casa de Usher”, de Edgar Allan Poe, uma produção caseira, com o que retornou aos seus tempos de vanguarda, atuando, em sua própria casa, nos papéis de Roderick e de Madeline Usher, tal como as divas decadentes que fazia interpretar as personagens insanas de seus thrillers psicológicos...

Nota

A obra de Curtis Harrington permanece inédita em DVD no Brasil. Mesmo nos EUA, não são todos os filmes que se encontram disponíveis e muitas das cópias em DVD à venda não são restauradas. A exceção é A noite do terror, lançado em DVD pela Image, com excelente qualidade e cometários do diretor e de Dennis Hopper.

Luiz Nazario