segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Lápide 009 - Isidore Isou (1925-2007)


Morreu em Paris, no dia 28 de julho de 2007, aos 82 anos de idade, o escritor de origem romena (nascido a 29 de janeiro de 1925 em Botosani), Isidore Isou (Goldstein), criador do movimento poético batizado de “letrismo”, nascido de uma revelação: a 19 de março de 1942, com 17 anos, ao ler a frase de Keyserling, “le poète dilate les vocables” (“o poeta dilata os vocábulos”), ele a compreendeu de outra forma, já que em romeno vocable quer dizer “vogal”. Isou encantou-se com a idéia de que “o poeta dilata as vogais”, e decidiu organizar uma manifestação inaugural da teoria que elaborou a partir desta iluminação nas Sociétés Savantes, em janeiro de 1946. Mas foi no Vieux-Colombier, durante uma representação de La Fuite, de Tristan Tzara, que ele roubou a cena recitando suas “letrias”, conquistando alguns discípulos. No dia seguinte, na primeira página de Combat, “tout Paris” tomava conhecimento do novo movimento. A publicação dos cadernos de propaganda La Dictature Lettriste e a abertura de uma “Central letrista” na Librairie de la Porte Latine, sede da revista, concluíram o lançamento do movimento.

Com o letrismo, a poesia de palavras do surrealismo e do dadaísmo prolongou-se numa poesia de letras autônomas. Baudelaire foi apontado como o precursor, pois em sua obra, segundo Isou, emergia o impulso criativo essencial pelo mergulho no eu e pela depuração e ritmo dos versos, que serão levados ao limite máximo pelos letristas. Muito próximo da poesia concreta, o letrismo logo se espalhou pela Europa, migrando também para as artes visuais: obras experimentais com letras e pinturas fundiram-se criando uma estética singular. Isou acreditava ter sistematizado novamente as ciências da linguagem e dos signos em uma disciplina unívoca que chamou de “hipergrafologia”, fundada sobre a produção de partículas sonoras produzidas pelo homem, considerado como instrumento. Segundo Isou, “a letria é a arte que aceita a matéria das letras reduzidas e tornadas simplesmente elas mesmas, e que as ultrapassa para moldar em seu bloco obras coerentes”. Nem linguagem, nem poesia, nem música, o letrismo propunha uma síntese de suas formas, convenções e limitações a fim de ultrapassá-las. Recorria à decomposição e alianças de palavras, às variações tipográficas, às cadências e ritmos dos versos, aos temas, variações, contrapontos e harmonias musicais. Distanciando-se da frase, explorando a posição, duração, intensidade e timbre das palavras, tentava fazer para a literatura uma montagem análoga à do cubismo na pintura.

No poema letrista, as letras arrancadas das palavras nada conservam de seu uso lingüístico, mas a disposição delas revela um sistema estético próprio. Pretendendo libertar a poesia do fim utilitário da linguagem, o letrismo acreditava reencontrar a pureza original dos modos de comunicação primitivos. As “letrias” deviam engendrar um prazer lúdico e desinteressado. Como em todos os movimentos vanguardistas, os jogos estéreis na arte nasciam de um desejo infantil de “revolucionar a sociedade”. Revoltado com o absurdo das duas guerras mundiais, o letrismo propunha criar um mundo socialista através da reorganização do saber, implantando um modo de pensamento oposto à rigidez da lógica, apontando para a humanidade um novo caminho para a “felicidade paradisíaca”. Entre seus colaboradores estava o escritor francês Guy Debord.

A obra de Isidore Isou abrange diferentes disciplinas, desde tratados de filosofia, física e matemática a peças de teatro. Também foi o autor de um filme experimental: Traité de bave et d'éternité (“Tratado de baba e de eternidade”, 1951), com um elenco de atores, poetas e escritores: Marcel Achard, Jean-Louis Barrault, Bernard Blin, Blaise Cendrars, Jean Cocteau, Daniel Gélin, Maurice Lemaître, André Maurois, Armand Salacrou. Segundo J. Hoberman (Venom & Eternity, Village Voice, 26.4.2005), ambientado em St. Germain des Près, o filme possui inserção de pontas pretas, riscos na emulsão, tomadas de ponta cabeça e de trás para frente, com uma ação acompanhada de pronunciamentos grandiloqüentes, histérica trilha sonora (“Prefiro dar-lhes uma dor de cabeça que absolutamente nada”, declarou o diretor); e uma história de amor que termina quando o agressivo protagonista chuta a namorada, que se vê deportada para a Noruega. Quando exibido em Cannes, Traité de bave et d'éternité provocou grande escândalo. O jovem cineasta vanguardista Stan Brakhage foi cativado pelo filme, sobre o qual escreveu: “um portal através do qual todo filme artístico tem de passar”. Esquecido por 45 anos, o manifesto cinematográfico do letrismo, único filme realizado por Isidore Isou, pode agora ser visto no DVD Avant-Garde 2: Experimental Cinema 1928-1954.

Luiz Nazario