sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Lápide 002 - Guará Rodrigues (1941-2006)


“Espero morrer antes de fazer TV. Vai contra os meus princípios, apesar de não tê-los”, disse-me certa vez o ator e cineasta Guará Rodrigues, que morreu no Rio de Janeiro assistindo à TV, certamente durante a transmissão de algum clássico do cinema, na aurora do dia 21 de fevereiro de 2006. Foi num cochilo que ele morreu: só assim a morte pode chegar até ele. Pois a morte não combina com alguém que era tão cheio de projetos, tão cheio de energia. A vida de Guará foi um projeto de ser o que ele sonhava, a cada dia. Dirigi o último trabalho do Guará, o vídeo Filoctetes (2006), a partir de um roteiro que havia escrito há uns vinte anos. Ele se lembrou desse roteiro de repente – um monólogo de quinze minutos sobre a solidão de um ator que ensaia a peça de Sófocles sentindo a mesma solidão do personagem. Decidimos gravar em digital, no meu apartamento, num único dia e num único plano-seqüência, com dois alunos bolsistas – Luiz Amaral e Rodrigo Gerace – fazendo luz e câmara. Depois da gravação, Guará viajou para Cabo Frio, ao encontro da morte. Nos vários anos de nossa longa amizade, fizemos outros trabalhos juntos: Sexo-verdade (2001), Prisioneiros do planeta Ornabi (2003), alguns super-8 com Elaine Mansano, e cenas para o DVD Pier Paolo Pasolini, em produção. Concluíamos na Escola de Belas Artes da UFMG um projeto de elaboração da filmografia completa do Guará enquanto ator, diretor, roteirista, assistente de direção, sonoplasta, cenógrafo... – filmografia que chega a 100 títulos, muitos deles invisíveis ou desaparecidos. O resultado dessa pesquisa estará disponível no livro-DVD Guará: o criminoso imaginário, que incluirá uma longa entrevista que ele nos concedeu, além de depoimentos de diversos amigos sobre sua vida e obra, gravados em Betacam (no estúdio do FTC da Escola de Belas/UFMG); seu livro Memórias de um hóspede, seus roteiros, e tudo o que foi escrito sobre ele na imprensa – sua escassa, mas divertida, “fortuna crítica”. Lamentável que Guará não possa ver finalizado esse exaustivo trabalho de documentação realizado em sua homenagem, e que o animava tanto nos últimos anos. Guará precisava desesperadamente de reconhecimento, era um grande comediante, um Grouxo Marx dos trópicos, mas poucos diretores perceberam a dimensão de sua genialidade. Para além da figura mundana que ele aparentava ser, e que era mesmo, Guará levava a sério, como poucos no Brasil, a arte do cinema, para ele a coisa mais sagrada.

Guará em DVD:

- Moon Over Parador (EUA/Brasil, 1988), em edição americana;

- Prisioneiros do Planeta Ornabi (Brasil, 2003, 15’). Direção e roteiro: Luiz Nazario. Com Guará Rodrigues. EDIÇÃO DE COLECIONADOR. Primeira edição com tiragem limitada a 50 cópias numeradas e assinadas pelo autor. DVD ZONA 2, numeração atual de 5 a 50 – 60,00. Encomendas: luiz.nazario@terra.com.br.

- Filoctetes (Brasil, 2006, 15’). Direção e roteiro: Luiz Nazario. Com Guará Rodrigues. EDIÇÃO DE COLECIONADOR. Primeira edição com tiragem limitada a 50 cópias numeradas e assinadas pelo autor. DVD ZONA 2, numeração atual de 1 a 50 – 60,00. Encomendas: luiz.nazario@terra.com.br.

Luiz Nazario

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Lápide 001 – Walerian Borowczyk (1923-2006)


Walerian Borowczyk foi um dos diretores mais interessantes do cinema polonês, iniciando sua carreira produzindo uma série de cartazes de filmes e, a partir dos anos 1950, dezenas de animações de impacto e humor negro. Fugindo do regime comunista, Borowczyk continuou a produzir na França com Jan Lenica; as animações gráficas, alegóricas, surrealistas da dupla, feitas com objetos, recortes e fotografias, fugiam da tradição comunista da animação inspirada em contos de fada e lendas populares: Dom (1958), Le théâtre de M. et Mme Kabal (1962) ou L’Encyclopédie de Grand-maman (1963) registram a alienação do homem após Auschwitz e Hiroshima, condenando tanto a ordem burguesa quanto a ordem comunista. Em Renascimento (Renaissance, 1963), um cenário é explodido por uma bomba e “reconstituído” por animação, apenas para voltar a ser novamente explodido; Les jeux des anges (1964) evoca o nazismo com imagens cruéis... Passando para o cinema live-action, fixou-se no erotismo: realizou o kafkiano Goto, a ilha do amor (Goto, L’île de L’amour, 1968) e exaltou as perversões em Contos imorais (Contes Immoraux, 1974), com Paloma Picasso vivendo, num dos quatro episódios, a Condessa Elisabeth Bathory que se banha no sangue de cem virgens para permanecer sempre jovem; e em História de um pecado (Dziejz Grechu, 1975) – talvez sua obra-prima, acompanhando a lenta perdição de uma garota seduzida. Menos empenhados foram A mulher e besta (La Bête, 1975), que apresenta um caso escabroso de monstruosidade hereditária, que confirma a tese de Jean Boullet que, no ensaio La Belle et la Bête, associa a monstruosidade ao complexo de Édipo, com um erotismo surreal de bestialidade explícita que chega às raias da paródia; A margem (La Marge, 1976), com a dupla de corpos eróticos Sylvia Kristel e Joe Dalessandro entregando-se à sodomia; As heroínas do mal (Les Héroïnes du Mal, 1979), que evoca o universo do Marquês de Sade. Em todos os filmes de Borowczyk, mesmo nos piores, como Emmanuelle V (1987), percebemos, na textura e plasticidade das imagens, a mão do artista gráfico, pintor e animador formado na Escola de Belas Artes da Cracóvia. Resvalando na pornografia soft, o diretor atraiu o desprezo da crítica, mas sua obra fortemente ancorada na tradição do Surrealismo ainda não foi devidamente avaliada.

DVDs disponíveis:

- Contes immoraux (1974), em edição inglesa;

- The Story Of Sin (Dzieje Grzechu) (1975), em edições americana e inglesa;

- Interno di un convento (1977), em edição inglesa;

- Emmanuelle V (1987), em edição americana;

- Cérémonie d'amour (1988), em edições americana e inglesa.

Luiz Nazario